O STF e a descriminalização das drogas: a intenção é proteger o usuário?

Com o começo da votação no STF sobre a descriminalização do porte de drogas, a discussão sobre os seus impactos e qual a política correta para lidar com o problema veio à tona. Novamente.

Somos intransigentes no combate ao consumo e à legalização das drogas. Não condenamos aqueles que tem a posição justa de achar que o usuário não pode ser vítima do sistema penal, mas somos duros ao alertar que o que está sendo feito é o contrário. Procura-se, por meio da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, um efeito cascata para legalizar as drogas e aumentar a ofensiva sobre a juventude, principal vítima de seu uso.

Assim, cria-se a ilusão de que o usuário vai ser protegido da repressão, sem discutir sobre os impactos do uso da droga em sua mente e sobre o seu corpo. Como proteger o usuário da repressão sem desmilitarizar a polícia e acabar com os autos de resistência, por exemplo? Afinal, quem morre na periferia é a juventude; e quem mata é a PM! Os Estados do Pará, Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e tantos outros tiveram o triste episódio repetido todos os dias nas periferias: chacina da PM! Isso o STF não discute!

O voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Barroso, no último dia 10.09, mostra que o objetivo é chegar gradualmente à legalização. Está dito com todas as letras em seu voto. Portanto, a discussão da descriminalização é uma máscara para legalizar as drogas e atacar a juventude. A própria maconha torna-se cada dia mais perigosa: a concentração de THC – a substância viciante da maconha – numa planta normal é de 4%, mas no “mercado” já circulam “plantas” (com muitas aspas) com até 90%! A quem interessa dopar a juventude?

A ALTERNATIVA ÀS DROGAS É O COMBATE PELOS DIREITOS DA JUVENTUDE
É mais do que provado que o fator gerador do uso de drogas é a pobreza e as condições miseráveis de vida da maior parte da população mundial. Tomando o exemplo da União Europeia em crise, em relatório de 2014 do Observatório Europeu das Drogas e das Toxicodependências mostra que um quarto da população adulta usa drogas, número que cresceu assustadoramente desde o estouro da crise. Logo na Europa, laboratório das experiências de descriminalização/legalização!

Roberto Tikanory, da Coordenação-Geral da Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, ao analisar o programa “De Braços Abertos”, implementado pela Prefeitura da Cidade de São Paulo, que assiste aos dependentes da região da cracolândia, chega a mesma conclusão que nós: as drogas tornam-se um problema devido à miséria e condições sociais deploráveis do usuário. E mais. Ele, ao analisar o sucesso do programa, ao dizer que o consumo de droga só continuou por 2% dos atendidos, coloca os motivos: foi oferecido emprego, moradia e um futuro aos usuários. Mais esclarecedor impossível. O que salta aos olhos é que o debate sobre legalização, descriminalização do usuário, nem tem espaço quando toca-se nesta alternativa, pois ela vai ao cerne do problema.

Agora, imagine capitalismo sem “miséria” e sem “condições deploráveis”… impossível, né? É por essa razão que a Juventude Revolução combate o uso e o comércio de drogas.

O atual ambiente político e econômico é catastrófico. No momento em que se discute chegar a legalização (lembremos do ministro Barroso), vivemos uma ofensiva sem precedentes à juventude, com a discussão da redução da maioridade penal e a terceirização que não sai de pauta. Somam-se a isso os ataque do plano Renan-Levy, os cortes na educação. O Plano Levy já levou à destruição de mais de 1 milhão de postos de trabalho este ano. Já temos a pior geração de emprego desde 1999 (período de FHC!). Esse é o futuro que o capitalismo reserva à juventude! E o STF resolve nos atacar abrindo caminho para a legalização, que amplia o mercado da droga? No momento de crise do capitalismo, será coincidência essa ofensiva? Ou a burguesia mundial (FHC, George Soros etc.) vê no dinheiro da droga a possibilidade de salvar a crise desse sistema podre?

Cabe se questionar, porém, sobre o argumento mais honesto quando se trata da descriminalização: tirar o usuário do circuito do pervertido sistema penal, que tem como alvo preferencial o negro, jovem e pobre. Afinal, com a descriminalização, o usuário realmente sairá deste circuito? Não! Não sairá! Está claro que na fase imperialista do capitalismo, quando o capital destrói a cada dia a força de trabalho, o resultado mais óbvio da falta de empregos e dos cortes na educação será o aumento da criminalidade, que atinge principalmente os mais jovens. Com menos emprego e menos direitos, a juventude ingressará no mercado do tráfico. E com a descriminalização, a única coisa que mudará será a quantidade de droga que os jovens traficarão. Alguns argumentam que a descriminalização/legalização deve acontecer, mas com a contrapartida de investimento público em saúde. FHC pensa do mesmo jeito! Alguém acredita que o capitalismo permitirá investimento em saúde pública? É exatamente o ajuste, promovido pelo imperialismo, que corta dinheiro na saúde! Alguém acredita que FHC quer o bem do usuário?

As drogas não são nada mais do que a negação de um futuro com vida saudável e estabilidade material para a juventude. Além disso, é um instrumento do imperialismo para dopar a juventude e impedir a luta organizada pelos nossos direitos.

GUERRA ÀS DROGAS?
Impressiona como o jargão “a guerra as drogas fracassou” é repetido constantemente nos últimos tempos. É importante dizer que a famigerada guerra às drogas nunca existiu. Primeiro porque isso era uma tentativa do imperialismo estadunidense de controlar as rotas de comércio de drogas. A sua relação com a Colômbia deixa isto explícito, pois estamos falando dos Estados Unidos, o maior consumidor de cocaína do mundo; e da Colômbia, a principal porta de entrada dessa droga nos EUA (tem também o México).

Além disso, é vasto o rol de informações que demonstram a ligação da produção e distribuição de drogas com o maior império do mundo. Quer um exemplo? Desde que o imperialismo estadunidense chegou ao Afeganistão, 90% da heroína do mundo vem de lá!

Na década de 1990, quando da desintegração da ex-Iugoslávia, o jornal americano “Los Angeles Times” publicou uma série de documentos da CIA. provando que seus agentes estavam ajudando a organização do contrabando de drogas num lugar que há décadas não tinha problemas com entorpecentes, como instrumento de desagregação da ex-república.

Na história, podemos ir também até a China do século XIX, quando o Imperador chinês resolveu proibir o uso de ópio, pois a produtividade do país estava em declínio e os trabalhadores sendo gravemente afetados. E a resposta do imperialismo inglês foi uma guerra… pelo direito de comercializar ópio. Guerra mesmo pra quê?

O DINHEIRO DAS DROGAS
No artigo “O Comércio de Drogas Hoje”, o professor de História da USP Osvaldo Coggiola apresenta um questionamento intrigante:

“Se os EUA tivessem vontade política de combater o narcotráfico poderiam exercer um severo controle das exportações de produtos químicos para fabricação da PBC (Pasta de Base da Cocaína), que provém da Shell e da Móbil Oil, como constatou a própria DEA”.

Esse é só um dos elementos de como o comércio de drogas é altamente lucrativo, pois é importante demonstrar que ele está intrinsecamente ligado ao conjunto da economia capitalista e, portanto, isso explica porque a ofensiva do imperialismo em legalizar as drogas.

No mesmo texto, em outro ponto,
“Todos os bancos de envergadura, desde o Boston até o Credit Suisse, participam desta operação [LAVAGEM DE DINHEIRO]. Pelas somas envolvidas, a “lavagem” seria impossível sem a cumplicidade dos banqueiros que intermedeiam a legalização do dinheiro sujo e a sua conversão em ativos, empresas ou imóveis. Nos últimos anos, os bancos criaram paraísos fiscais nos quais se lava, diariamente e à vista de todos, entre US$ 160 e 400 milhões. Esta associação entre mafiosos e banqueiros se apoia, em última instância, no sigilo bancário — um princípio intocável para o capitalismo — por ser um pilar da propriedade privada, na confidencialidade dos negócios e na livre disponibilidade do capital”.


Se o objetivo fosse realmente combater as drogas e proteger a vítimas do uso, a primeira medida do STF seria colocar em xeque o sigilo bancário. Afinal, trata-se de um dos pilares da economia mundial, e a entrada desse dinheiro no circuito econômico é uma necessidade para o imperialismo em crise. Além disso, a urgente necessidade da desmilitarização da PM coloca em xeque qualquer debate sobre a legalização ou descriminalização das drogas. Com ou sem criminalização, a PM vai continuar matando na periferia.

Por todas essas razões, temos que dizer com todas as letras: o atual debate é romantizado e extremamente perigoso! Leva a juventude a uma grande armadilha que para muitos, particularmente a juventude pobre e negra da periferia, é um caminho sem volta.

Carlos Henrique, é estudante de Direito da USP e militante da JR em São Paulo.