Agressão no Haiti – Repressão no Brasil: É preciso lutar pela verdade!

Publicamos o artigo do companheiro Henrique Ollita, militante fundador do PT em SP e atual presidente do Diretório Zonal de Vila Maria-SP. Nesse artigo, o companheiro demonstra a relação da ação do exército brasileiro no Haiti com a ação da PM no Brasil que promove uma verdadeira chacina, principalmente contra a juventude negra nas periferias.

Agressão no Haiti – Repressão no Brasil: É preciso lutar pela verdade!

O primeiro general de exército a assumir o comando militar de 6250 homens de 13 países na chamada força de paz da ONU no Haiti em 2004/2005, Augusto Heleno Pereira, é a figura que sintetiza hoje a atual geração de comando das forças armadas brasileiras. Aos 65 anos está reformado (aposentado) desde o ano passado. Foi agraciado no governo Lula com o Comando Militar da Amazônia no seu retorno do Haiti. Em seguida, vestindo a farda que o obrigaria subordinar-se à Presidência da República, entra em choque com o governo dando declarações a favor dos latifundiários contra a criação da reserva Raposa Serra do Sol em Roraima. Hoje o general Heleno passeia pelas altas rodas da sociedade brasileira, incensado pela imprensa. Tem até um emprego: é “consultor de segurança” da rede Bandeirantes de TV e rádio da família Saad. É visto em telejornais dando palpites sobre crimes, política externa, segurança pública.

Esse “herói nacional” que a mídia burguesa está cevando para algum dia continuar a prestar algum “ serviço relevante” ao país… na verdade é um dos expoentes da chamada “doutrina de segurança nacional” , eufemismo usado pelo imperialismo estadunidense desde os anos 1960 para esmagar no continente americano a soberania dos povos, a resistência popular e a aspiração dos trabalhadores de construir seu próprio destino . Para tanto, além de patrocinar diretamente os golpes militares em cada país, como no Brasil em 1º de abril de 1964, o imperialismo estadunidense generalizou o método da tortura, dos assassinatos e desaparecimento de corpos. O general Heleno como outros tantos, mesmo sendo um jovem oficial nos anos 70, reproduz nos anos 2000 o que aprendeu na chamada Escola das Américas. Instituição militar estadunidense hoje localizada no estado da Georgia que treinou milhares de militares latino-americanos para executar o serviço sujo. De lá saíram 2 ditadores argentinos, 1 do Panamá, 1 da Bolivia, centenas de torturadores. Heleno foi palestrante nessa instituição em 2006. O exército brasileiro ainda hoje continua enviando oficiais para “aulas” em suas   instalações. Certificando sua trajetória Heleno é frequentador como palestrante   do grupo semi-clandestino chamado Ternuma – Terrorismo Nunca Mais. Um covil que reúne boa parte dos militares e policiais torturadores da ditadura brasileira tendo como seu expoente–mor o coronel Brilhante Ustra, chefe da masmorra em São Paulo da Rua Tutoia, o DOI-CODI onde milhares de trabalhadores, militantes, mulheres e homens foram covardemente torturados, seviciados, assassinados.

Os métodos militares utilizados no Haiti contra a soberania daquele povo sofrido podem ser resumidos nas seguintes declarações do general Heleno proferidas em um curso sobre “Segurança e Defesa Nacional na América Latina” em São Paulo em 09 de setembro de 2006:

“Isto deu um trabalho horrível: controlar passeatas. Eles [haitianos] fizeram 55 passeatas em 4 meses. Chegou um ponto que nós chamamos os líderes comunitários e pedimos: ‘Pelo amor de Deus! Parem de fazer passeatas todo dia, não aguentamos mais fazer segurança de passeata’. E eles confiavam na segurança que a tropa brasileira dava e desconfiavam da polícia [haitiana], porque a polícia chegava, às vezes, na passeata, atirando. Por que eles chegavam atirando? Eles justificavam dizendo: ‘Nós conhecemos os bandidos’. Nós [tropas da ONU], realmente, não conhecíamos. Eles [polícia haitiana] faziam um troço que a gente chamava de carômetro, que tinha a cara dos bandidos. Mas olha, olhar no carômetro e olhar no meio da multidão, não tem como saber. Então, a polícia haitiana argumentava que, no meio da passeata, os bandidos estavam infiltrados. Só que eles não atiravam só nos bandidos, atiravam na população que estava na passeata. Daí as organizações internacionais de direitos de bandidos, ô, desculpa, de direitos humanos, iam em cima da gente: ‘Pô, vocês estão colaborando com a polícia para atirar na população.’ E, na verdade, nós não estávamos colaborando. Nós não podíamos voltar as armas contra polícia haitiana. A missão era apoiar a recuperação da polícia haitiana. Como é que nós íamos voltar as armas contra a polícia haitiana? Mas a coisa ficou tão grave que o embaixador (chileno Juan Gabriel) Valdés chegou a ameaçar a dar ordem pra isso: de nós reagirmos à atuação da polícia haitiana. Uma situação desagradável, que nós contornamos, conversamos, e chegamos num acordo”.

Ainda:

“Nós estabelecemos um ponto forte no interior da Cité Soleil, cheio de proteção. Olha a quantidade de tiro (mostra o slide do forte). Toda noite, tinha tiroteio de 15, 20 minutos em cima do ponto forte. Eu botei os peruanos lá. Eles fizeram uma festinha boa ali. Acertaram um monte de bandido; eles eram bons atiradores. Aí eles me perguntaram uma vez: ‘General, por tradição, bandido, quando cai lá, morto ou ferido, vem gente pra buscar o corpo. O que a gente faz? Podemos atirar em quem vem buscar o corpo do bandido?’ Eu tava tão machucado com essa crise e respondi: ‘Atira também, amigo de bandido também toma tiro para eles pararem de vir buscar o corpo’. Chega um ponto que a gente perde a paciência”.

Esse “treinamento” das forças militares brasileiras no Haiti é o que dá a base para as operações de “ocupação” de comunidades pobres do Rio de Janeiro. É também a origem e explicação de todas as ações policiais nos estados brasileiros executadas pelo corpo policial militar. A ação policial de hoje se liga ao passado a partir de uma necessidade da ditadura de centralizar a repressão ao povo brasileiro a partir de 1969 quando toda a policia foi subordinada ao exército. Foram extintas as antigas “forças públicas” e “guarda civil” e criadas as atuais PM. Era preciso sufocar os trabalhadores, o povo nas cidades e no campo, para impor um regime de exploração barata de mão de obra, essência do golpe de 1964. Impor um regime que demonstrasse a milhões de trabalhadores que se organizar, mobilizar e fazer greve não só seria contra a lei, mas teria o destino certo de cair nas garras da repressão, ser sequestrado, torturado e sumir.   De fato a PM, isolada da sociedade, encerrada em quartéis como batalhões do exército, sob disciplina militar, não tinha o objetivo de dirimir o crime, investigar e cumprir o papel regular de polícia. Tinha o objetivo de impor a “ordem” nos bairros, cidades, na periferia já que os efetivos das forças armadas seriam insuficientes para tanto.   É uma guarda pretoriana a serviço das empresas, das multinacionais, da Federação das Indústrias de São Paulo, que chegou a criar uma “caixinha” entre empresários e banqueiros para financiar as “operações” de repressão do DOI-CODI e do Deops em São Paulo. Essa mesma PM é a que age hoje nos estados. A mesma PM que consegue, em questão de poucos minutos, cruzar o transito caótico da cidade de São Paulo com uma tropa de choque em motocicletas para reprimir qualquer manifestação com escudos, bombas e gás pimenta, mas é incapaz de impedir um roubo a 50 metros de seu quartel. A PM que mantém um “Serviço Reservado” a paisana que se infiltra nos movimentos populares e sindicatos. A PM que todo trabalhador e jovem das cidades brasileiras temem, pois sabe que corre o risco de ser agredido, humilhado e torturado.

Esse aparato militar existente no Brasil é responsável por uma chacina sistemática. O antigo “esquadrão da morte” criado por paramilitares nos anos 1960 para eliminar inimigos do regime na prática hoje está instalado em muitos batalhões da PM. Os números são impressionantes: só no estado de São Paulo (dados oficias da Corregedoria da Secretaria de Segurança Pública) desde 1998 são assassinados pela polícia ao menos 300 pessoas ao ano. Em 2001 foram 481, em 2002 624, em 2006 476. Ano passados foram 364 mortos. Esses são os homicídios registrados! Não estão computados os corpos que dão entrada nos IML como autoria desconhecida etc.     A vítima mais comum dos tiros disparados pela polícia em São Paulo é jovem: 70% dos baleados têm entre 18 e 25 anos, 97% são do sexo masculino, 62% são negros, e, em sua maioria, são pobres e sem antecedentes criminais conhecidos (Folha, 1999). Podemos fazer uma comparação com uma polícia violenta e usualmente racista, a dos Estados Unidos: em 1996, em Nova Iorque, a polícia matou 31 cidadãos, o que diminuiu para 19 em 1998 e para 11 em 1999 (New York Times, 2000). A polícia do Rio mata tantos civis anualmente quanto o conjunto das forças policiais de todo Estados Unidos, embora a população do Rio de Janeiro seja de 5,5 milhões e a dos Estados Unidos de mais de 250 milhões.

Com esse quadro é imperioso apontar a desmilitarização da PM. É preciso impor à extinção no âmbito federal desse verdadeiro ataque armado e sistemático a juventude e ao povo brasileiro. Na década de 1990 um projeto prevendo a desmilitarização foi apresentado no Congresso Nacional pelo então dep. Helio Bicudo do PT-SP e anos depois arquivado. Uma ampla mobilização das organizações dos trabalhadores, dos sindicatos e do povo deve exigir dos poderes constituídos encerrar esse período de trevas que perdura. Isso somado pela apuração e punição de todos os envolvidos nos crimes da ditadura. Os torturadores e seus assistentes, os financiadores, os legistas, as autoridades do período, todos devem ser processados e sumariamente condenados. Devemos nos apoiar na criação das Comissões da Verdade que se instalam e exigir, num movimento de unidade que envolva as organizações de juventude, estudantis, sindicatos e centrais sindicais, personalidades democráticas e partidos a punição de todos aqueles que cometeram os crimes que serão apontados. Essa tarefa democrática elementar, mínima, não está nas mãos dos “grandes” da sociedade brasileira, não está nos salões e convenções das empresas e multinacionais. Essa tarefa democrática está única e exclusivamente nas mãos do povo trabalhador. Como também seguimos exigindo a retirada das tropas militares do Haiti. Seguimos estendendo nossa mão solidária ao povo orgulhoso desse pequeno país que sofre com a ocupação militar que esmaga sua soberania nacional.

*Henrique Ollitta, fundador do PT em São Paulo, militante da Corrente O Trabalho do PT, seção brasileira da IV Internacional é presidente do Diretório Zonal do PT de Vila Maria, São Paulo-SP.

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