Conferência “Defender o Haiti é defender a nós mesmos” começa a ser preparada!

Convocada por dirigentes de diversas organizações haitianas e do continente, a conferência defender o “Haiti é defender a nós mesmos” pelo fim da ocupação da ONU no país começa a ser preparada e acontecerá no dia 1° de junho de 2013 quando completarão 9 anos de ocupação.

A JR estará engajada na preparação dessa conferência, prosseguindo a luta que travamos há anos para que o governo brasileiro retire imediatamente as tropas brasileiras do Haiti.

Abaixo, publicamos um relato da delegação que foi a ONU no dia 12 de outubro exigir o fim da ocupação e a convocatória da conferência.

Conselho Nacional da JR

Às organizações sindicais, políticas, populares e democráticas

Aos trabalhadores, jovens, dirigentes e personalidades engajadas na defesa da liberdade e da soberania dos povos

CHAMADO POR UMA CONFERÊNCIA CONTINENTAL EM 1o de JUNHO DE 2013, NO HAITI, PELA RETIRADA DAS TROPAS DA MINUSTAH

Hoje, 11 de outubro de 2012, dirigimos a vocês esse chamado, depois de um encontro na sede da ONU, em Nova York, com o senhor M. William Gardner, alto responsável pelas relações políticas da Divisão Europa-América Latina e pelo Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU, junto com três membros de sua equipe: Patrick Hein, Ekatrina Pischalnikova e Nedialko Kostov.

Fomos em uma delegação porque nenhuma pessoa comprometida com a defesa dos direitos democráticos mais elementares pode aceitar que uma força multinacional de ocupação, sob a bandeira da ONU e do comando do exército brasileiro desde 2004, continue a existir em território haitiano. No Haiti, há quase 200 anos atrás, em 1804, ocorreu a independência política, a libertação da escravidão, a instauração da república haitiana foi arrancada na luta dos escravos negros contra as potências imperialistas.

Levamos ao senhor Gardner os últimos documentos de um dossiê preparado pelo “Comitê defender o Haiti é defender a nós mesmos”, com sede na Assembleia Legislativa de São Paulo. Tal dossiê apresenta a campanha internacional que impulsionamos desde 2004 contra a presença da MINUSTAH no Haiti, assim como as mensagens de apoio à nossa delegação enviadas pelas instâncias sindicais de vários países da América Latina.

Nós sublinhamos notadamente (*) que:

a) A delegação recebida em 25 de agosto de 2011 pelo senhor Ugo Solinas, chefe do observatório no Haiti, da Divisão Europa e América Latina e do Departamento da ONU de Operações de Manutenção da Paz (DOMP, DPKO, em inglês) e por dois outros responsáveis de relações políticas do DOMP no Haiti : Tatiana Auguste e Patrick Hein apresentou à ONU resultados assustadores da Comissão Internacional de Investigação sobre a situação do Haiti que aconteceu em Porto Príncipe entre 16 e 20 de setembro de 2009. Nessa ocasião, Solinas reconheceu que foram levantadas “questões e preocupações reais. São alguns problemas com os quais terei que me confrontar durante os quatro anos em que estarei ocupado com as operações de manutenção da paz no Congo. Evidentemente, os problemas com os quais os haitianos estão confrontados são igualmente de domínio social e econômico. Mas as operações de manutenção da paz da ONU têm um mandato e um objetivo muito limitados: ajudar a assegurar um nível mínimo de segurança afim de que as instituições do Haiti possam ser reforçadas”. Contudo, em 15 de outubro de 2011, o mandato da MINUSTAH foi renovado.

b) O Encontro Continental pela Retirada Imediata das Tropas da ONU do Haiti, em 5 de novembro de 2011, em São Paulo (Brasil), com o apoio do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos, e na presença de 600 pessoas, vindas de 12 estados do Brasil, diante de uma tribuna composta por militantes haitianos e participantes vindos de sete países de governos comprometidos com a ocupação do Haiti – Estados Unidos, Bolívia, Argentina, Uruguai, França e Brasil. Entre os presentes estavam representantes de importantes sindicatos, como a central sindical PIT/CNT (Uruguai), o Sindicato dos Mineiros de Huanuni (Bolívia), a CUT (Brasil). Houve apoio e mensagens de sindicalistas da UNETE da Venezuela, da CTA-Capital (Argentina), da CGTP do Peru, dos sindicatos do Equador e do Canadá…

 Esse encontro adotou o “Compromisso de São Paulo”, afirmando que “as tropas da Missão da ONU para a ‘estabilização do Haiti’, Minustah, são responsáveis pela violação da sua soberania, com agressão aos direitos humanos, que causam mortes – efeitos ‘colaterais’ de um estado de guerra permanente – alem de repressão a manifestações democráticas, sindicais, estudantis e populares. Os soldados da Minustah introduziram o vibrião do cólera no país, que já matou 6.500 haitianos e contaminou mais de 300 mil. Sobre eles pesam acusações fundadas de violência sexual e estupro de jovens que, como outros crimes, seguem impunes dada à sua imunidade legal.

O Haiti sofreu várias ocupações militares. A última, em 2004, decidida pelo imperialismo estadunidense junto com a França e o Canadá, que derrubou o então presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide.

A partir de então, mascarada pela ONU como ‘missão de estabilização’, a ocupação por tropas militares e policiais de 40 países é comandada pelo exército brasileiro”.

O compromisso de São Paulo chamava à continuidade da campanha e, particularmente, a realizar, em 1o de junho de 2012, uma Jornada Continetal pela retirada das tropas da MINUSTAH.

c) A Conferência Caribenha « Ajamos em conjunto por um Haiti soberano », « Fora MINUSTAH », que aconteceu em Vertières (em Cap-Haitien), entre 16 e 18 de novembro de 2011, por iniciativa da Associação dos Trabalhadores e dos Povos do Caribe (ATPC) e do comitê de continuidade da Comissão Internacional de Investigação, com a participação de organizações sindicais, políticas e do movimento popular dos Estados Unidos, da França e do Caribe, notadamente de Guadalupe, Trinidad e Tobago, Dominica, Martinica e Haiti, assim como por representantes do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT). Em seu comunicado final, a Conferência caracterizou a MINUSTAH como o « braço armado da dominação imperialista ». Ela apresentou relatos que “permitiram compreender melhor a verdadeira política de privatização e de desenvolvimento das zonas francas, em benefício das multinacionais, impondo aos trabalhadores um regime de superexploração, sem direito de se organizar, sem garantias sociais, fora das normas legais haitianas e das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. Ela constatou “a destruição da produção agrícola nacional em benefício das multinacionais (por exemplo, a produção de arroz). A cobertura dos bens de consumo alimentar da população haitiana pela produção agrícola nacional passou de 60% para menos de 25% em menos de 20 anos. Os relatos nos permitiram constatar ainda a exploração de recursos minerais pelas companhias estrangeiras em todo o país. O que constitui um atentado grave à soberania da primeira República Negra independente”.

d) A Jornada Continental de 1o de junho de 2012, pela retirada imediata da MINUSTAH do Haiti e pela total soberania do povo haitiano, foi marcada, no Haiti e notadamente nos Estados Unidos, na Argentina, Brasil, México, Peru, Guadalupe e Martinica, e em outros países do Caribe, por várias manifestações e por encontros com representantes de governo no Brasil, Peru e Argentina. Nenhum deles negou a necessidade de sair do Haiti. Quando de uma audiência em 10 de julho de 2012, o ministro de Relações Internacionais do Brasil, país que comanda a MINUSTAH, chegou a declarar: “Penso que ela [a MINUSTAH] se prolongou mais do que o desejável”.

e) Em 3 de setembro de 2012, várias organizações haitianas lançaram um chamado para uma delegação continental, com sede na ONU, pela a não-renovação das tropas da MINUSTAH no Haiti.

Em 11 de outubro de 2012, na ONU, também apresentamos para o senhor Gardner a existência de inúmeras outras manifestações, marchas e iniciativas tomadas por diversas organizações operárias, democráticas e populares que exigem a retirada das tropas do Haiti. Destacamos a importância de recentes manifestações de massa que aconteceram no Haiti em 29 e 30 de setembro e em 6 de outubro, combinando a exigência da retirada da MINUSTAH e a reivindicação por emprego, moradia, saúde, comida, fim da corrupção e saída imediata de Martelly.

Sobre a base de todos esses elementos e das intervenções de cinco membros da delegação, Julio Turra (CUT-Brasil), Senador Moise Jean Charles (Haiti), Pablo Micheli (CTA-Argentina), Jocelyn Lapitre (LKP-Guadalupe) e Fignolé St. Cyr (CATH-Haiti), tivemos uma conversa com Gardner e sua equipe. Conversa que colocou em evidência várias questões, entre as quais :

– Senhor Gardner declarou que a presença da MINUSTAH no Haiti era “legítima na medida em que o chamado, na primavera de 2004, pela intervenção das tropas de manutenção da paz vieram do governo haitiano de transição internacionalmente reconhecido”. A delegação responde que “um governo que vinha de um golpe de Estado militar e que eliminou um presidente democraticamente eleito, sequestrando-o, era tudo, menos legítimo”.

– Um dos delegados igualmente destacou que a ocupação da MINUSTAH constitui uma violação flagrante à Constituição do Haiti de 1987 que estipula, em seu artigo 263-1, que fora as Forças Armadas do Haiti e as forças de polícia nacional, “nenhuma outra força armada pode ficar em território nacional”.

– Gardner responder que a presença da MINUSTAH foi aprovada pelo presidente “novamente eleito”, Michel Martelly. A delegação afirmou que na eleição de 20 de março de 2011, as tropas da MINUSTAH asseguraram a segurança e a logística de um segundo turno ilegal. A eleição foi ilegal porque o Conselho Eleitoral Provisório (CEP) não legitimou os resultados do primeiro turno (de 28 de novembro de 2010), marcado pela desorganização, violência e fraude pura e simples. A eleição foi igualmente ilegal, pois um grande partido político, com uma base de massa, que se opôs ao golpe de 2004 e à ocupação (Fanmi Lavalas), foi impedido de apresentar candidatos à eleição.

– O senador haitiano Moise Jean Charles lembrou a Gardner que em 20 de setembro de 2011, o Senado haitiano adotou uma resolução exigindo do governo a “um pedido formal endereçado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas de retirada progressiva, ordenada e definitiva de todos os componentes da MINUSTAH em uma data que não excedesse o dia 15 de outubro de 2012”.

– Um delegado lembrou ao senhor Gardner que, em 4 de novembro de 2011, mais de 5 mil haitianos afetados pelo cólera e as famílias de vítimas do cólera fizeram, no Haiti e em Nova York, uma ação contra a ONU e a MINUSTAH para responsabilizá-las da vinda do ”vibrião do cólera”  pelos soldados nepaleses que fazem parte da força de ocupação militar.

Uma petição em inglês e francês foi entregue ao Chefe da Unidade da MINUSTAH encarrregado de reclamações no aeroporto de Porto Príncipe e no Escritório do secretário geral Ban Ki-moon, em Nova York. Ela acusa a ONU de ser « responsável por negligência, negligência grave, de despreocupação e indiferença deliberada diante da saúde e da vida do povo haitiano, causa de ferimentos aos peticionários e de mortes devidas ao cólera ». Esta petição exige da ONU que acorde « uma compensação financeira aos peticionários ; medidas efetivas para prevenir a propagação do cólera; um reconhecimento formal da responsabilidade da ONU ; desculpas pela responsabilidade da ONU na epidemia que flagelou o Haiti ».

O Sr. Gardner respondeu que a ONU não é responsável do que os soldados de qualquer país implicados nas « operações de paz » possam fazer ou não e que o serviço jurídico da Organização das Nações Unidas foi encarregado de estudar a questão da indenização. E que não faria mais comentários.

O Sr. Gardner anunciou que o Conselho de Segurança iria em breve tomar medidas de redução das tropas no Haiti, mas que o « mandato de manutenção da paz » prosseguiria até alcançar um patamar de estabilidade e de paz, pelo menos até à próxima eleição presidencial no Haiti em 2015. A delegação unânime disse ao Sr. Gardner que ele e a ONU tomavam as coisas pelo lado contrário. Ela insistiu no fato que o que é prévio ao estabelecimento da paz e da democracia é a retirada imediata de todas as tropas da MINUSTAH e as reparações para as vítimas da ocupação.

Voltando à situação em curso no Haiti, nós afirmamos :

As manifestações que se desenvolvem nessas últimas semanas constituem verdadeiros levantes das massas, contra a carestia e o governo de turno. Cartões vermelhos na mão, para exigir a saída do governo, trabalhadores, jovens, homens e mulheres, desfilaram pacificamente, sem incidentes, gritando « Não, não mais  golpe de Estado. Queremos um Estado democrático no Haiti ». em Porto Príncipe, manifestantes pacíficos foram barrados pela polícia haitiana apoiada pelos capacetes azuis da ONU. Mais que nunca está claro que esta é a única razão da presença no Haiti dos soldados da MINUSTAH : impedir, em benefício das multinacionais, o povo haitiano de exercer seus direitos democráticos e sua soberania !

On ne peut pas plus prétendre que la MINUSTAH soit en Haïti pour « rétablir les conditions de stabilisation, de paix et de démocratie ».

De ponta a ponta do continente americano, sindicalistas, organizações políticas e populares, exigem a retirada imediata da MINUSTAH e a cessação imediata da represssão pelas forças policiais do governo Martelly e da MINUSTAH.

Mas, surdo a essa exigência, o Conselho de Segurança da ONU acaba de, novamente, em 12 de outubro, renovar o mandato da MINUSTAH. O que quer dizer que em 1o de junho de 2013 se iniciará o 9° ano da ocupação.

Depois de oito anos, mais um ano ! É inaceitável. Não podemos aceitar !

Trabalhadores, jovens, organizações sindicais e democráticas, mais que nucna, chegou a hora de impedir que essa situação continue. Nós conclamamos desde já a que se prepare uma ampla e representativa Conferência continental sobre a palavra de ordem « Defender o Haiti é defender a nós mesmos », a qual terá lugar no Haiti em 1o de junho de 2013. No momento em que chegarão as novas tropas, as delegações de nossos países estarão presentes em solo haitiano para rejeitar a presença da MINUSTAH.

Retomamos para nós as exigências do compromisso de São Paulo, reiteradas por ocasião da jornada continental de 1o de junho de 2012 :

 – Anulação da dívida externa do Haiti !

– Restituição das somas pagas !

– Devolução das somas extorquidas no momento da independência !

 – Reparações para as famílias das vítimas do cólera e de violações dos direitos humanos !

 – Retirada imediata das tropas da ONU do Haiti !

Pelo sucesso da Conferência Continental « Defender o Haiti é defender a nós mesmos » , 1o de junho de 2013, no Haïti !

Em defesa da soberania da nação haitiana !

Cabe ao povo do Haiti decidir sobre seu futuro !

Nova York (Estados Unidos da América), 12 de outubro de 2012

—  Assinaturas da delegação neste chamado :

Julio Turra, diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Brasil ;

Moïse Jean Charles, senador (Haiti) ;

Pablo Micheli, secretário geral da Confederação dos Trabalhadores Argentinos (CTA) ;

Jocelyn Lapitre, membro do LKP e da ATPC (Guadalupe) ;

Fignolé Saint-Cyr, secretário geral da Confédération autonome des travailleurs haïtiens (CATH) ;

Geffrard Jude Joseph, diretor da Radio Panou (EUA, N.York, Brooklyn) ;

Colia Clark, Guadeloupe-Haïti Campaign Committee (EUA, N. York) ;

Alan Benjamin, Acordo Internacional dos Trabalhadores e Povos (EIT-ILC) (EUA, San Francisco, California), membro do comitê executivo da AFL-CIO de San Francisco ;

Kim Ives, comitê editorial Haïti-Liberté (N. York) ;

Robert Garoute, MPDH, (EUA, N. York, Brooklyn).

(*) Documentos a este propósito podem ser consultados em : http://entente-internationale-des-travailleurs-eit-ilc.blogspirit.com/haiti/