
Quando esse texto foi escrito acabava de sair a decisão do STJ de habeas corpus de Galo, o qual foi alvo de prisão política pela queimada da estátua de Borba Gato. Sem depositar ilusões nas instituições podres de nosso Estado ficamos atento a este processo. Passados 3 dias da decisão do STJ o judiciário de São Paulo mantem Galo preso. Exigimos que essa máquina de prender pobre e trabalhador chamada judiciário ponha em liberdade o companheiro de luta!
O incêndio à estátua de Borba Gato, membro das expedições organizadas pela elite colonial para saquear e escravizar as populações indígenas, levantou debates nas mídias tradicionais e na internet. Não demorou muito para que os porta-vozes da “oposição” moderada, direitistas e “centristas”, corressem para condenar a ação, promovida no contexto dos protestos pelo fim do governo Bolsonaro. Escandalizados com o incêndio, pudemos ver desde comparações ao Estado Islâmico até defesas apaixonadas do legado de um punhado de mercenários escravocratas, ignorando a vida dos habitantes originários das regiões onde hoje estão São Paulo e Minas Gerais.
Em geral, o argumento dos “moderados” parece dizer que, ao danificar a estátua, os manifestantes estariam participando de um processo de “apagamento da história”. Mas um monumento nunca é “a História”, com H maiúsculo. Ao erguer um monumento, o governo está buscando construir uma homenagem pública a um acontecimento e a certos atores que participaram dele. Dessa forma, a estátua de Borba Gato é construída a mando de uma elite, que precisa justificar seu poder com algum mito que acoberte o violento processo de acumulação que foi a colonização. É assim que nasce essa imagem dos bandeirantes “empreendedores”, heróis “brasileiros” antes mesmo do Brasil existir.
É relevante também observar que os mesmos que defendem o “patrimônio cultural” paulista não movem uma palha para debater a demarcação de terras indígenas e quilombolas, sem a qual o patrimônio cultural dos povos originários vem sofrendo atentados incentivados pela política genocida do governo Bolsonaro. Terrorista é a política de desinvestimento na educação e cultura, produto da emenda constitucional do teto de gastos, cujo saldo foi, dentre outras questões, o incêndio no Museu Nacional em 2018, do Museu de História Natural da UFMG em 2020 e, mais recentemente, na Cinemateca.
É preciso ser claro: o incêndio à estátua de Borba Gato, em si, não contribui para avançar nossa luta pelo fim deste governo. Mesmo assim, nas palavras de Trotsky, “o sentimento de vingança tem o seu direito. Faz muito bem à moral da classe operária que ela não olhe com indiferença e contemplação sobre o que acontece […].”
Infelizmente, os órgãos de repressão do Estado já se apresentaram com uma agilidade impressionante. Galo, preso por participar no incêndio da estátua – uma prisão política, que não interessa em nada a qualquer grupo que não seja a classe capitalista – foi solto, mas precisamos estar atentos às tentativas de criminalizar as formas de luta política dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, nossa luta pelo fim das opressões passa, inevitavelmente, pelo fim deste sistema, que precisa cristalizar seus mitos sobre sua origem em blocos de pedra homenageando assassinos e escravocratas, e deste governo, que ataca a preservação da cultura muito mais do que esse pânico moral quer atribuir ao incêndio de uma estátua.
Gabriel Lacerda – militante da JRdoPT de Juiz de Fora