Quem foi a revolucionária socialista alemã Clara Zetkin?

“O proletariado será capaz de atingir sua libertação somente se lutar unido sem qualquer diferença de nacionalidade e profissão. Do mesmo modo poderá atingir sua libertação somente se se mantiver unido, sem distinção de sexo. A incorporação das grandes massas do proletariado feminino na luta pela libertação do proletariado é um dos pré-requisitos para a vitória e construção de uma sociedade socialista” – Do discurso “Somente com a mulher proletária o socialismo será vitorioso”

Em 20 de junho de 1933 morria Clara Zetkin aos 75 anos em Moscou, fugida da Alemanha após ascensão nazista. Por ocasião desta data publicamos abaixo trecho retirado do livro “Mulher, Estado e Revolução” – Wendy Goldman (páginas 61, 62 e 63) Boitempo Editorial/Edições Iskra, março de 2014, Tradução Natália Angyalossy Alfonso


“Uma das principais figuras na popularização e desenvolvimento de novas estratégias foi Clara Zetkin (1857-1933), uma dirigente de imenso talento do movimento social-democrata alemão e incansável defensora dos direitos das mulheres trabalhadoras. Zetkin leu o livro de Bebel* pela primeira vez aos vinte e poucos anos e imediatamente mudou suas ideias sobre as mulheres. Embora seus esforços teóricos nunca tenham rivalizado com os de Engels ou Bebel, seu trabalho organizativo, discursos, escritos e a dedicação de toda sua vida às mulheres trabalhadoras ajudaram a traçar uma nova direção dentro do movimento socialista europeu e do partido social-democrata alemão em particular. 

O trabalho teórico de Zetkin estava profundamente entrelaçado com suas atividades organizativas em prol das mulheres. Como Marx, Engels e Bebel, ela reconhecia que a participação crescente das mulheres no trabalho assalariado era historicamente inevitável, e lutou para garantir que essa análise se refletisse nas estratégias práticas dos partidos socialistas. Ela se chocou repetidas vezes com membros mais conservadores dos partidos socialistas que buscavam eliminar as mulheres da força de trabalho ao exigir um salário familiar. Zetkin achava essa demanda fútil. Se os empregadores insistiam no trabalho feminino porque era mais barato, homens e mulheres deveriam lutar por “salário igual para trabalho igual”. Os sindicatos deveriam começar a organizar as mulheres. Em seu discurso no Congresso de Fundação da Segunda Internacional em 1889, Zetkin falou fortemente a favor das mulheres trabalhadoras. Explicou: “Não é o trabalho feminino em si que rebaixa os salários ao entrar em competição com o trabalho masculino, mas a exploração do trabalho feminino pelos capitalistas que dele se apropriam”. Mais tarde, resumiu esse discurso em um panfleto que se tornou um guia para futuras políticas do SPD. Zetkin não somente defendia o direito das mulheres ao trabalho, mas acreditava que o trabalho assalariado era “um pré-requisito essencial” para a independência das mulheres. Ainda que, nas palavras de Zetkin, “a escrava do marido se tornou a escrava do empregador”, ela insistia que as mulheres “se beneficiaram com essa transformação”.

No âmbito teórico, Zetkin ampliou as análises iniciais de Engels e Bebel. Focando a transição da economia agrária para a industrial, Zetkin explorou as mudanças nos papéis das mulheres com a expansão da produção de mercadorias. Argumentava que, em uma sociedade pré-capitalista, as mulheres eram “uma força produtiva extraordinária”, que produzia todos ou quase todos os bens necessários para a família. A transição para a produção mecânica e a indústria em grande escala tornou a atividade econômica da mulher dentro da família supérflua, uma vez que a indústria moderna produz bens de maneira mais rápida e barata. À medida que a produção de bens dentro do lar se tornou crescentemente desnecessária, a atividade doméstica das mulheres perdeu sua função e significado. Isso criou uma nova contradição entre a necessidade das mulheres em participar da vida pública e sua impossibilidade legal de fazê-lo. A própria existência de uma “questão da mulher” encontrava sua premissa nessa contradição.

Para Zetkin, o movimento das mulheres seria inconcebível em uma sociedade camponesa. Somente poderia surgir “dentro dos tipos de sociedade que são os frutos do modo de produção moderno”. Concordando com Engels, argumentava que a opressão às mulheres era resultado do desenvolvimento da propriedade privada, mas agregou que o movimento das mulheres contra essa opressão somente poderia emergir das condições capitalistas de produção, que empurravam as mulheres para a esfera pública ao mesmo tempo que impunham diversas restrições sobre sua capacidade de agir dentro dela. Zetkin, assim, usou o quadro marxista para explicar a própria gênese da “questão da mulher” no século XIX. 

Marx e Engels não distinguiam as várias formas de opressão sofridas pelas mulheres de classes diferentes. Zetkin foi a primeira a situar a opressão às mulheres dentro de uma compreensão mais sutil de classe. Essencialmente, postulou uma “questão da mulher” diferente para cada classe na sociedade capitalista. Mulheres de classe alta se preocupavam principalmente com a liberdade de administrar sua própria propriedade. Mulheres de classe média, com educação formal, buscavam treinamento e oportunidades de emprego ou, nas palavras de Zetkin, “competição sem obstáculos entre homens e mulheres”. Mulheres proletárias, forçadas a trabalhar para complementar a renda de suas famílias, defendiam seus interesses unindo-se aos homens para lutar por melhores condições de trabalho para ambos os sexos.

O esforço de anos de Zetkin em prol das mulheres trabalhadoras recebeu reconhecimento internacional em 1907 no Congresso da Segunda Internacional. A primeira Conferência Internacional das Mulheres Socialistas teve lugar no mesmo momento, e a Internacional ratificou o princípio do direito da mulher ao trabalho, a criação de organizações especiais de mulheres dentro de todos os partidos socialistas e uma posição a favor da organização ativa em prol do sufrágio feminino. Finalmente se formava uma estratégia oficial para a libertação plena da mulher, nos sentidos político, econômico e social.”


* Na página 56-57 do livro a autora diz: “o famoso trabalho de Augusto Bebel, Women and Socialism [Mulheres e socialismo], publicado primeiramente em 1879, foi um marco importante […] em direção a uma estratégia mais unificadora dentro do movimento operário. […] Tornou-se base para posteriores esforços organizativos social-democratas entre mulheres e teve um enorme impacto em muitas das futuras dirigentes do movimento socialista internacional. […] O livro abordava toda a  história das mulheres, desde a sociedade primitiva até o presente, incluindo material sobre o drama grego, esposas atenienses e cortesãs, cristianismo, Idade Média, Reforma, século XVIII e sociedade industrial. Ao contrário do trabalho posterior de Engels A origem… , Bebel oferecia pouca análise teórica. Sua crítica era essencialmente moral, centrada nos males e na hipocrisia da sociedade burguesa.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Por favor, digite seu nome